Artigo de grupo da Ufes sobre a Cadeia Vitória-Trindade é capa da revista Nature

08/09/2017 - 17:35  •  Atualizado 19/09/2017 16:29
Compartilhe

Exatamente 50 anos após a publicação da Teoria de Biogeografia de Ilhas, modelo amplamente utilizado para compreender a distribuição e a riqueza de espécies terrestres em ilhas, pesquisadores lançam uma nova teoria que explica a origem e evolução da vida marinha nesse ambiente. O estudo, desenvolvido pelo professor dos programas de pós-graduação em Biologia Animal e em Oceanografia Ambiental da Ufes Jean-Christophe Joyeux, com alunos e ex-alunos dos programas de Biologia Animal e Oceanografia da Ufes e a parceria de outras instituições,  foi publicado na revista Nature desta semana.

Para compreender como as espécies se originam nas ilhas, os pesquisadores da Ufes primeiro desvendaram a biodiversidade dos ambientes recifais dos montes submarinos e ilhas da Cadeia Vitória-Trindade, localizados na costa capixaba. Esses montes são extremamente isolados e profundos. Assim, a equipe precisou capacitar-se com técnicas avançadas de mergulho e utilizar equipamentos específicos para explorar áreas até 85 metros de profundidade e a 900 km de distância da costa brasileira.

A proposta da nova teoria veio com o estudo da história evolutiva dos peixes endêmicos da Cadeia Vitória-Trindade, ou seja, estudando as espécies que só existem ali nos montes submarinos e nas ilhas, e em mais nenhuma outra região do planeta.

Por meio de parcerias com a Academia de Ciências da Califórnia e a Universidade da Califórnia Santa Cruz, o time de pesquisadores liderado pelo biólogo capixaba e mestre em Oceanografia Ambiental pela Ufes, Hudson Pinheiro, estudou o DNA destes peixes para entender a evolução e a origem deles.

“Descobrimos que a maior parte das espécies endêmicas são pequenas, possuem capacidade de migração muito limitadas, e se originaram recentemente. Um número pequeno de espécies terrestres chegam nas ilhas, onde acabam diversificando-se para ocupar todos os ambientes disponíveis. No ecossistema marinho, todos ambientes são ocupados por espécies com boa capacidade de se dispersar, e a origem de novas espécies só ocorre quando os peixes com menor capacidade de dispersão chegam nas ilhas”, afirma Pinheiro, atualmente pesquisador associado à Academia de Ciências da Califórnia e à Associação Ambiental Voz da Natureza.

Evolução

Segundo os pesquisadores, a Cadeia Vitória-Trindade representa um dos poucos ambientes marinhos do mundo onde é possível estudar os processos de evolução nos oceanos. “A distribuição linear dos montes e ilhas da Cadeia, e o isolamento são as principais características que propiciam esse tipo de estudo” diz o professor da Ufes Jean-Christophe Joyeux.

“Peixes e diferentes organismos marinhos de águas rasas utilizam os montes submarinos como trampolins, alcançando a Ilha da Trindade. Isso explica a diversidade de peixes na Ilha”, completa o cientista. A maioria das espécies que não conseguem se dispersar utilizando os montes são as que vivem nos ambientes rasos ao redor de Trindade. Segundo o oceanógrafo, doutor em Oceanografia Ambiental pela Ufes e atualmente professor da Universidade de Vila Velha (UVV), Raphael Macieira, “estas são as espécies que ficam geneticamente isoladas e se tornam endêmicas da ilha, sendo somente encontradas lá”.

“Estudar a biodiversidade dos montes submarinos da Cadeia Vitória-Trindade era um sonho antigo dos pesquisadores”, comenta o biólogo João Luiz Gasparini, pesquisador voluntário da Ufes. Há mais de 20 anos estudando a biodiversidade marinha de Trindade e da costa do Brasil, o pesquisador sugere que as espécies com baixa capacidade de dispersão só puderam chegar na ilha durante as Eras Glaciais, períodos que o que nível do mar era mais baixo que o atual (até 120 metros), e que os atuais montes submarinos eram ilhas. “A última Era do Gelo terminou cerca de 10.000 anos atrás, e isso explica a origem recente dos peixes de Trindade, que só conseguiram chegar lá utilizando os montes quando estes eram ilhas com ambientes rasos”, completa Hudson Pinheiro.

Pesca ilegal

Apesar da importância para a biodiversidade marinha, e agora para o desenvolvimento de estudos científicos com implicância mundial, os pesquisadores estão preocupados com a conservação da região. A Cadeia Vitória-Trindade é alvo de pescarias ilegais de embarcações internacionais. Além disso, as pescarias locais também não são manejadas adequadamente, não existindo cotas e regulamentação para as capturas sobre os montes e nas ilhas.

Parte da Cadeia Vitória-Trindade se enquadra no projeto Amazônia Azul, não pertencendo ao território brasileiro. Entretanto, segundo os pesquisadores, ao invés do ambiente ser utilizado para atividades de desenvolvimento sustentável, como pesca e turismo moderados, empresas brasileiras estão minerando os topos dos montes submarinos, destruindo os habitats para a produção de fertilizantes, “o que pode trazer consequências irreversíveis para a biodiversidade e processos ecológicos e evolutivos” diz o pesquisador da Academia de Ciências da Califórnia, Luiz Alves Rocha.

Cientistas, ambientalistas e pescadores, assim, estão trabalhando em conjunto para mostrar ao governo a importância cultural, econômica e cientifica da região. “Esperamos que a Cadeia Vitória-Trindade possa ser utilizada como fonte de recursos naturais e de desenvolvimento cientifico não só nos dias de hoje, mas também pelas muitas gerações futuras que merecem conhecer e usufruir dessa maravilha natural que é a Cadeia Vitória-Trindade”, conclui Hudson Pinheiro.

A pesquisa contou com o apoio financeiro e logístico concedido ao professor Jean Christophe Joyeux por meio do CNPq. Os projetos foram conduzidos em estreita colaboração entre a Coordenação do Programa de Pesquisa Oceanográfica e Impactos Ambientais (COIAM/CNPq), a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM) e a Marinha do Brasil. Outros recursos foram providenciados pela Fundação O Boticário à Associação Ambiental Voz da Natureza.

O artigo completo disponível em  http://www-nature.ez43.periodicos.capes.gov.br/nature/journal/vaop/ncurrent/pdf/nature23680.pdf

Para saber mais sobre a Expedição Cadeia Vitória-Trindade acesse: https://www.youtube.com/watch?v=0FopIi2ZLOM e

https://www.youtube.com/watch?v=ZsV3AkDvvvE

 

Texto: Divulgação
Edição: Thereza Marinho