A precarização e a informalidade do trabalho, a insegurança e a instabilidade financeira e a alienação dos trabalhadores foram os pontos de partida para a produção da tese de doutorado A libertação como possibilidade: aproximação do conceito de consciência crítica dos estudos de carreira sob a perspectiva da psicologia do trabalhar no Brasil. O estudo aplica o conceito de consciência crítica, proposto a partir da obra do educador e pedagogo brasileiro Paulo Freire, na psicologia, buscando avaliar como a Teoria da Psicologia do Trabalhar (TPT) pode colaborar com a compreensão das experiências de trabalho e carreira por indivíduos oprimidos, marginalizados ou em situação de vulnerabilidade social, além de facilitar a conscientização sobre a identidade dos trabalhadores e sua posição na sociedade.
Autora da tese, a psicóloga Pâmela Pedruzzi explica que o TPT faz uma defesa do acesso ao trabalho decente, termo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que designa as atividades capazes de suprir as necessidades básicas e permitir o bem-estar e a qualidade de vida dos trabalhadores. “A Psicologia tem que dar conta de falar da carreira de todas as pessoas, não só de pessoas que são ricas, que têm carreiras executivas. A gente tem que discutir a carreira do gari, da empregada doméstica, do pintor, do pedreiro, de todas as pessoas que trabalham. Carreira é uma propriedade de pessoas que trabalham”, sentencia.
Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) Alexsandro de Andrade, orientador do estudo, o trabalhador vive em um mundo marcado por narrativas individualistas, notícias falsas (as chamadas fake news) e injustiças que são mascaradas pelo que ele chama de veículos de desinformação. “Ter consciência crítica sobre desigualdades e injustiças é fator essencial na luta por um mundo menos desigual, assim como o próprio desenvolvimento profissional, social e humano”, avalia.
Consciência crítica
O estudo é composto por três artigos, que têm o objetivo comum de investigar o funcionamento da consciência crítica de Paulo Freire no contexto de trabalhadores brasileiros, tendo como base o modelo teórico da TPT. Um dos artigos, intitulado Escala de consciência crítica e contextos de carreira: adaptação transcultural e propriedades psicométricas da versão brasileira, foi publicado no Journal of Career Assessment (Revista de Avaliação de Carreira, em tradução livre), umas das publicações acadêmicas mais prestigiadas do mundo. “Um pesquisador capixaba atingir uma das melhores revistas da área de carreira é um passo importante para a voz de nossa ciência no mundo. Esse fato é um compromisso social e científico da Universidade com a sociedade”, ressalta Andrade.
Pedruzzi considera que o pensamento político e filosófico de Freire desempenha um papel fundamental no entendimento das características da população marginalizada no Brasil e das relações de poder que mantêm essa marginalização. “A importância da obra de Paulo Freire reside na sua capacidade de ir além do âmbito educacional, influenciando discussões amplas sobre justiça social, participação cidadã e democrática e sobre as experiências de trabalho dos brasileiros em busca da possível libertação frente às estruturas opressoras”, avalia.
Intervenção
Para ela, o principal ponto da tese é o fato de medir algo que não pode ser visto, já que a investigação girou em torno da mensuração de fenômenos psicológicos: “Uma coisa é a gente medir o comprimento de uma parede. Outra coisa é a gente medir o conceito psicológico, como a conscientização. E a tentativa do trabalho é realmente fazer essa discussão e tentar sinalizar o quanto que a gente não pode descolar os conceitos da realidade que eles se propõem a investigar”.
De acordo com a TPT desenvolvida nos Estados Unidos e em países da Europa, a consciência crítica modera a relação entre as variáveis do ambiente e as variáveis individuais na garantia do acesso ao trabalho decente de trabalhadores, como se houvesse uma espécie de poder protetivo sobre o indivíduo. A tese de Pedruzzi prova que a consciência crítica é importante no processo, mas não é protetiva. “Eu, como psicóloga, não mexo no ambiente, não altero a economia, mas tenho a possibilidade de intervir no meu paciente. Então, faz mais sentido a gente discutir que a consciência crítica não é de todo protetiva, mas o psicólogo tem o processo dele de intervir em orientação profissional pela consciência crítica. A criticidade não necessariamente é protetiva, mas é relevante para entender os processos de carreira”, finaliza.
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