Há 15 anos, estudo com participação da Ufes motivou a criação da Lei Seca

26/05/2023 - 17:41  •  Atualizado 30/05/2023 12:00
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A Lei Seca (nº 11.705, promulgada em 2008) completa 15 anos no dia 19 de junho e foi baseada em uma pesquisa capitaneada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com a Ufes. O estudo, realizado entre 2008 e 2012, concluiu que acidentes de trânsito de maior gravidade possuem relação importante com o consumo de álcool pelos motoristas e que, portanto, o limite de alcoolemia para condutores deve ser zero. A pesquisa levantou dados referentes ao comportamento dos condutores em relação a beber e dirigir em quatro cidades da região Sudeste, utilizando-se dos então desconhecidos bafômetros. Em Vitória, os dados foram coletados com apoio do Departamento de Ciências Fisiológicas da Ufes.

Neste Maio Amarelo, mês de conscientização sobre a importância de atitudes positivas no trânsito para a redução de acidentes, o autor do estudo, o professor do Departamento de Clínica Médica da Ufes Valdir Campos, lembra como surgiu a ideia de conduzir a pesquisa que utilizou metodologia inovadora no Brasil: “Desde minha formação como psiquiatra, nasceu o interesse por entender os fenômenos relacionados ao consumo de álcool e suas consequências físicas, psicológicas e sociais. Em 2005, tomei conhecimento de um trabalho pioneiro sobre políticas públicas desenvolvido em Diadema [na Grande São Paulo] e não tive dúvidas de que essa seria a pesquisa que eu sempre sonhara em fazer”.

O estudo foi realizado durante o doutorado de Campos na Unifesp, que originou o trabalho intitulado Políticas do álcool para a redução de acidentes de trânsito, sob orientação do professor Ronaldo Laranjeira, que é referência na temática da dependência química.

Pioneirismo

Até meados da década de 2000, existiam poucos dados nacionais a respeito dos padrões de comportamento em relação ao ato de beber e dirigir. O estudo conduzido por Campos foi um dos primeiros a apresentar dados sobre estes hábitos em grandes capitais do Brasil, obtidos por meio da metodologia até então inédita do uso de bafômetros em postos de checagem de sobriedade.

O teste do bafômetro identificou que mais de um terço dos participantes da pesquisa dirigia com níveis de alcoolemia iguais ou acima do limite legal da época, de 0,6 grama por litro (g/l), segundo o Código de Trânsito de 1997. “Esses achados indicavam um índice de cinco a seis vezes mais alto que os encontrados em pesquisas semelhantes realizadas em outros países”, salienta.

Confira esta matéria na íntegra no site da Revista Universidade

Em 2005, Campos assumiu o comando do trabalho realizado em Diadema e, na sequência, ampliou a pesquisa para as capitais Belo Horizonte, São Paulo e Vitória, além de dez outras regiões de Minas Gerais. Em Vitória, a pesquisa foi supervisionada pela médica e professora Ester Nakamura-Palacios, do Departamento de Ciências Fisiológicas da Ufes (aposentada desde dezembro de 2020).

O diferencial do trabalho realizado na capital capixaba foi a adição de uma avaliação cognitiva breve, que acabou constituindo a tese de doutorado Beber e dirigir: uma avaliação neuropsicológica das funções executivas no uso agudo do álcool, defendida em 2009 pela psicóloga Simone Domingues no Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas na Ufes. O estudo, que teve supervisão de Nakamura-Palacios e Laranjeira, mostrou como o álcool, mesmo em doses baixas, pode prejudicar as funções cognitivas fundamentais na realização de ações que exigem atenção, concentração, planejamento futuro de ações, flexibilidade mental e função motora. 

Tolerância zero

Os dados da tese, associando álcool e direção, e a intensificação do debate público sobre o tema, motivaram a modificação da lei de trânsito e o limite de alcoolemia para dirigir passou a ser zero, conforme propôs a pesquisa. A Lei Seca estabeleceu, ainda, punições mais severas para os índices de álcool mais elevados e os casos mais graves.

Na avaliação de Campos, a Lei Seca é uma das poucas medidas de prevenção ao consumo de álcool que realmente funciona no país e, nos últimos 15 anos, houve não só uma melhora na conscientização da população, mas também um aperfeiçoamento da fiscalização. Por outro lado, o professor acredita que a diminuição das campanhas de prevenção observada no período seja um ponto negativo.

Para ele, o objetivo da fiscalização do consumo de álcool aliado à direção deve ser a conscientização quanto a acidentes de trânsito, especialmente durante grandes eventos nacionais, como o carnaval, quando o consumo de álcool tem um aumento considerável.

 

Texto: Adriana Damasceno
Fotos: Fernando Frazão/Agência Brasil
Edição: Thereza Marinho e Lidia Neves