Em defesa da democracia, é importante lembrar

30/03/2024 - 13:25  •  Atualizado 30/03/2024 13:34
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Foto em preto e branco com a professora Marilena Chauí em pé, à direita, e estudantes sentados no gramado em frente.

Neste domingo, 31 de março, completam-se exatos 60 anos do início de um dos períodos mais tenebrosos vividos pelo Brasil. Lembrar este momento é trazer para o nosso presente a compreensão da importância de um dos bens mais importantes e necessários para os cidadãos de uma nação, que foi extirpado por longos 21 anos (1964 a 1985): a democracia.

É em defesa da democracia que nos posicionamos com vigor, e com a certeza de que precisamos cultivá-la cotidianamente, construindo-a em todas as instâncias em que atuamos. Para enfatizar esse princípio, nos juntamos a outras universidades e a tantas instituições brasileiras que hoje unem suas vozes em todo o Brasil para afirmar em alto e bom som: ditadura nunca mais!

As universidades foram particularmente atingidas pela ditadura militar que se instalou no país em 31 de março de 1964. Foram censuradas, perseguidas e mutiladas em seu corpo docente, discente e de servidores técnicos-administrativos. A autonomia universitária foi suprimida, a intelectualidade brasileira foi silenciada, e o desenvolvimento científico e cultural do país foi profundamente prejudicado. Também foram proscritas diversas instituições civis e várias lideranças foram cassadas.

Acusações vazias, perseguições, e julgamentos ilegais resultaram em prisões, destituições de dirigentes, demissões de professores e técnicos-administrativos, banimento de estudantes e silenciamento dos opositores dos militares nos anos de chumbo.

Siglas como DSI, ASI, IPM, DOI-CODI, DOPS, AI-5, que davam nome ao aparato de repressão da ditadura militar, faziam parte da realidade de todos os que viveram a universidade naquele período, sob o peso da ameaça renovada a cada momento. O que se impunha era o medo, que faz com que se extinga um dos maiores patrimônios da vida cívica e particularmente das universidades, que é a liberdade de pensamento e de expressão.

Não podemos deixar de lembrar que a Ufes também viveu essa história na pele. Logo nos primeiros meses pós-golpe militar, entre abril e maio de 1964, teve um reitor destituído, e comissões internas criadas por ordem do governo para investigar a comunidade universitária, alimentando inquéritos e auditorias policiais militares.

Além do uso da força, outra frente de controle ideológico era por meio da legislação, em parte instituída por decretos. Para as universidades, especificamente, foi instaurado, dentre outros, o Decreto 477/69 cujo objetivo era silenciá-las e tolhê-las, prevendo demissão de servidores e proibição de matrícula, durante três anos, para os discentes considerados “subversivos”. Também complementavam essas ações a proibição de livros, com a retirada deles das prateleiras das bibliotecas.

Com a decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, a perseguição se fez mais feroz. A repressão se intensificou ainda mais na década seguinte, principalmente entre dezembro de 1972 e março de 1973, diante da resistência que principalmente os jovens desencadeavam. Essa época foi marcada por uma série de prisões, práticas de tortura e de mais perseguições a professores e estudantes na Ufes e em todas as universidades brasileiras. Muitos foram torturados, mortos ou estão desaparecidos até hoje. Outros buscaram o exílio ou se viram obrigados a se refugiar na clandestinidade.

Porém, nunca faltou às universidades e a parte da sua comunidade universitária coragem para resistir e lutar contra a supressão das liberdades democráticas e todas as formas de violação dos direitos humanos desencadeadas pelos governos militares. Mobilizações de estudantes, professores e técnicos marcaram a virada dos anos de 70 para os 80.

Com a campanha pelas "Diretas Já", o movimento pela redemocratização ganhou força e pressionou o governo militar a convocar eleições diretas, que ocorreram em 1982 para os governadores dos estados e em 1989 para a Presidência da República. Na Ufes, além do engajamento para realização das eleições gerais, a comunidade universitária concentrava-se na luta pela adoção da escolha de reitor e vice-reitor por meio de voto direto, o que só viria a acontecer em 1987.

Na foto, palestra da professora Marilena Chauí, em frente ao RU do campus de Goiabeiras, em 1983, em um dos momentos de mobilização em defesa das eleições diretas para reitor.

Os 21 anos de duração da ditadura militar compõem um período de triste memória. Mas é necessário que seja lembrado, em especial nos tempos atuais, que nos colocam diante de fatos que mostram que essa ideia não foi abandonada. É preciso lembrar para que reafirmemos com firmeza e exerçamos cotidianamente a defesa persistente do estado democrático de direito, da liberdade de pensamento e de expressão, e dos direitos humanos. Por isso renovamos aqui o nosso compromisso com os princípios democráticos para que a Ufes e todas as universidades possam prosseguir no seu papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e plural.


Eustáquio de Castro
Reitor

Sonia Lopes
Vice-reitora 

 

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