Em média, 390 crianças com idade entre 0 e 9 anos são vítimas de violência no Espírito Santo a cada ano, sendo que 32,5% sofrem violência recorrentemente. A pesquisa de doutorado de Márcia Pedroso no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) identificou 3.127 casos de violência contra crianças no estado entre 2011 e 2018, registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Sistema Único de Saúde (SUS), que registra casos de notificação compulsória. A violência sexual foi a mais notificada (41,8%), seguida da negligência (31,3%) e da violência física (23,6%).
O estudo teve orientação da coordenadora do Laboratório sobre Estudos de Violência Saúde e Acidentes (Lavisa) da Ufes, Franciéle Marabotti. “O que mais me marcou foi a violência sexual sendo a mais notificada. Havia registros de casos que aconteceram com crianças menores de 2 anos, pensar isso é absurdo”, diz a professora. A violência sexual foi mais frequente nas meninas com 3 anos ou mais, residentes da zona urbana.
Já a negligência foi mais prevalente em meninos de até 2 anos e a violência física, entre meninos de 6 a 9 anos. Em relação às recorrências, elas costumam acontecer na residência da vítima e a partir de um mesmo agressor.
A professora ressalta ainda que os dados do Sinan são apenas um recorte do que acontece com as crianças, pois o sistema registra apenas o tipo de violência que levou àquele atendimento. “A criança que foi vítima da violência sexual também pode ter sido vítima de outros problemas”, destaca Marabotti.
Recorrência e família
O sistema estudado também aponta dados sobre os autores dos atos violentos. De forma geral, a violência ocorria na residência da vítima e era cometida por pessoas da família e do convívio social da criança. “Já era um dado esperado, porque os casos mostram a questão dos pais e familiares ao redor como os principais envolvidos”, afirma Pedroso.
A recorrência com que os atos aconteciam também chamou a atenção das pesquisadoras. “Os dados mostram que a violência recorrente é praticada por pessoas que deveriam proteger essa criança, ou seja, o pai e a mãe. Na infância, as nossas maiores referências são os nossos pais, são a referência de vida. Essas situações de violência no lar quebram esse vínculo e impactam nos futuros relacionamentos que a vítima venha a ter”, ressalta Marabotti.
Outro problema é a dificuldade de notificação dos casos de violência ocorrida em seio familiar, seja sexual ou física. “Quando os pais são os principais agressores, fica mais difícil de essa criança sair desse ciclo. Nesse caso, é necessária uma ação externa à família”, explica a orientadora.
Papel do Estado
Segundo Pedroso e Marabotti, o Estado possui diversos instrumentos que apoiam a proteção à infância, mas são necessárias melhorias na rede de notificação e apoio às vítimas. “Temos bastante políticas de enfrentamento, o que falta é uma melhor realização. É preciso qualificar mais o serviço para que os profissionais de saúde tenham maior capacidade de perceber e notificar os casos. A partir desse momento, é necessário ter uma rede de proteção à vítima que funcione”, destaca Marabotti.
O estudo aponta a necessidade de mais discussões na sociedade sobre violência infantil, de modo a desnaturalizar certas práticas, e a importância da educação acerca do tema nas escolas. “Muitas vezes o professor ou a professora cria um vínculo com essa criança, assim a criança se sente segura em expor essas ações, facilitando a denúncia”, explica a orientadora. Pedroso, por sua vez, alerta que um trabalho pedagógico colabora para que os menores consigam identificar o abuso: “nem sempre as crianças ou adolescentes conseguem entender o ato violento como abuso, porque muitas vezes o agressor vai começar a realizar esses atos de maneira lúdica. Desse modo, a educação nas escolas sobre saúde e sexualidade é uma ferramenta importante”. As autoras indicam, ainda, a necessidade de formação para os profissionais que notificam os casos de violência infantil.
Texto: Superintendência de Comunicação da Ufes
Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil