Um estudo pioneiro acaba de revelar o genoma completo da águia harpia (Harpia harpyja), também conhecida como gavião-real, uma das maiores aves de rapina do mundo. O trabalho é um esforço de instituições nacionais e internacionais, e oferece uma ferramenta essencial para a conservação da espécie, que está ameaçada de extinção. A pesquisa é particularmente importante porque a harpia é uma das poucas espécies ameaçadas a ter um genoma de referência cientificamente validado. Além de lançar luz sobre o declínio populacional da espécie, o estudo destaca mudanças genômicas significativas em comparação com outras espécies de aves.
A amostra utilizada para a montagem do genoma de referência foi obtida de uma fêmea adulta de harpia encontrada baleada em 2020, durante a pandemia de covid-19, em Parintins, no Amazonas. O animal foi resgatado e recebeu cuidados no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Manaus, mas não resistiu aos ferimentos. O professor Aureo Banhos, do Departamento de Biologia da Ufes, participou diretamente dos cuidados do animal, da coleta da amostra e do delineamento do estudo durante seu estágio de pós-doutorado no Laboratório de Evolução e Genética Animal da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Banhos é um dos autores do estudo, que foi publicado na revista Scientific Reports da Nature.
Vulnerabilidade da espécie
O estudo revelou que a harpia sofreu um declínio populacional constante nos últimos 20 mil anos, agravado pela perda de habitat e por mudanças climáticas. O genoma reconstruído oferece uma base sólida para monitorar a diversidade genética e guiar ações de conservação mais eficazes, permitindo a preservação tanto de populações selvagens quanto de indivíduos em zoológicos e criadouros. Segundo os pesquisadores, a queda populacional coincide com eventos climáticos críticos e, mais recentemente, com a ação humana, o que coloca a espécie em um estado de vulnerabilidade cada vez mais preocupante.
Além das descobertas sobre o declínio populacional, o estudo comparou o genoma da harpia com outras espécies da família Accipitridae, como a águia-dourada e o açor, além de famílias distantes, como a Cathartidae (grupo dos condores e urubus) e a Galloanserae (grupo que inclui a galinha). Os resultados indicaram que a harpia passou por grandes rearranjos cromossômicos exclusivos, diferenciando-se das outras espécies do grupo. Essas mudanças genéticas destacam a singularidade da história evolutiva da harpia.
Banhos, que desde 2005 se dedica ao estudo da genética da harpia, coordena os projetos Harpia Mata Atlântica e Harpia Carajás e orienta alunos de graduação e pós-graduação na investigação da genética, evolução e conservação de grandes águias florestais, ressalta “a importância da pesquisa genética como uma ferramenta fundamental para a conservação de espécies ameaçadas, viabilizando a elaboração de estratégias mais assertivas e embasadas cientificamente para garantir a sua preservação”.
Foto: João Marcos Rosa - Projeto Harpia