Projeto Muriqui de Caratinga completa 40 anos estudando o maior primata das Américas

23/08/2023 - 17:05  •  Atualizado 25/08/2023 11:39
Compartilhe

Estudar o maior primata das Américas, o Muriqui, com uma linha de pesquisa não invasiva, ou seja, baseada na observação e sem interferência humana. Este é o objetivo do projeto Muriqui de Caratinga, que este ano celebra 40 anos de atividade. O projeto é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Ufes (PPGBAN) e é coordenado pela professora Departamento de Ciência Biológicas Karen Strier, com o apoio do professor Sérgio Lucena Mendes, do mesmo departamento, como colaborador de longo prazo.

Foi durante sua pesquisa de doutorado em antropologia biológica, em Harvard, que Strier teve o primeiro contato com a espécie. Orientada por Irven DeVore, a pesquisadora recebeu um convite para assistir ao documentário O Choro do Muriqui, produzido por Russ Mittermeier (vice-presidente da ONG World Wide Fund for Nature na época). “Fiquei curiosa sobre os muriquis. Comecei a ler tudo e entrei em contato com Mittermeier, que aceitou que eu o acompanhasse em sua próxima ida ao Brasil. Fizemos uma visita na Fazenda Montes Claros [em Minas Gerais], onde os vi pela primeira vez. Foi amor à primeira vista”, declara Strier. 

Já no ano seguinte, a pesquisadora retornou ao Brasil e se instalou durante 14 meses na fazenda para estudar de perto a espécie, dando início ao projeto. Desde o início da pesquisa, Strier conta que estudantes se interessaram em participar dos estudos e que, ao todo, o programa já colaborou na formação de cerca de 90 pessoas. “Desde 1986, sempre tinha participantes brasileiros. No início, era apenas 1 por ano, mas depois a quantidade aumentou para dois e atualmente temos quatro bolsistas. Cada um recebe treinamento para reconhecer os animais e coletar os dados, além da oportunidade de desenvolver projetos particulares para as dissertações de mestrados”, detalha. 

Os muriquis 

Divididos em Muriqui-do-norte e Muriqui-do-sul, esses primatas são considerados a maior espécie das Américas. Entre eles, não há diferenças de tamanho corporal de machos e fêmeas. A melhor estratégia para identificá-los são as marcas de despigmentação nos seus rostos e a presença ou não de polegar. Análises genéticas realizadas mostram uma divisão das espécies há cerca de dois milhões de anos atrás. 

Os métodos de observação são não-invasivos, ou seja, os pesquisadores mantêm distância e não tocam nos animais. Quando há necessidade de realização de análises, os cientistas coletam as fezes que são deixadas. Strier diz ter muito orgulho de seus avanços na pesquisa, incluindo o sistema de reprodução dos muriquis, sem interferência, apenas com investigação visual e análise biológica. 

Estima-se que existem, aproximadamente, mil desses indivíduos na natureza, distribuídos em apenas 12 localidades conhecidas. Dessas, cinco são consideradas prioritárias para a conservação da espécie por abrigarem as maiores populações. Uma delas é a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano Miguel Abdala, em Caratinga. Com um terreno de 957 hectares, ela foi criada um ano após o falecimento de seu proprietário e protetor dos muriquis, o senhor Feliciano. Desse espaço, 1 hectare foi doado à pesquisa, em nome da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza, em 1983, e tornou-se a Estação Biológica de Caratinga. 

Apesar de todos os esforços estarem voltados para a preservação dos animais, o desmatamento da Mata Atlântica tem sido um fator de preocupação. O Muriqui-do-norte é endêmico do local, portanto, seu futuro tem ligação direta com o bioma. A alta taxa de desflorestamento o colocou como Criticamente em Perigo (CR) de extinção. “O risco de extinção dá uma urgência aos nossos trabalhos. Não podemos parar até os muriquis e suas matas serem assegurados para o futuro. O projeto é mais do que uma pesquisa científica, porque está diretamente envolvido nas ações de conservação e preservação”, explica Strier. 

Desafios

Para a pesquisadora, o financiamento para as atividades e a implementação de conhecimentos sobre os muriquis para sua conservação são os maiores desafios encontrados para a continuidade do projeto. Ela diz que, há muitos anos, se faz necessária a criação de um corredor que ligaria a população desses animais de Caratinga aos de outra reserva chamada Mata do Sossego, mas esse feito ainda não pode ser realizado. 

A pesquisadora destaca, ainda, a importância da participação da Ufes e de outras instituições que contribuem neste processo. “Se formos incluir todos bolsistas, orientadores, co-orientadores e colaboradores com diversas análises ao longo dos anos, teremos mais de 100 no total, e isto não inclui pessoas que apoiam o projeto em outras maneiras. Ninguém na área da pesquisa ou conservação trabalha sozinho e eu sou muito grata às pessoas que ajudam o projeto”, concluiu.

Na foto, pesquisadores, colaboradores e bolsistas que atuam no projeto.



Texto: Ana Clara Andrade (bolsista de projeto de Comunicação)
Fotos: Acervo do projeto
Edição: Thereza Marinho