A partir da próxima sexta-feira, 29, o aplicativo Fordan/Ufes para denúncias das violências contra mulheres estará disponível para utilização pelas moradoras do bairro São Pedro, em Vitória. O aplicativo é gratuito e, para baixá-lo, basta acessar a loja Google Play. A restrição de acesso ao app para esta região será mantida até novembro, quando a expectativa é que a ferramenta esteja disponível não só para todo o Espírito Santo, como para o Brasil.
O aplicativo, criado pelo programa de extensão e pesquisa da Ufes Fordan: cultura no enfrentamento às violências, foi lançado oficialmente na última sexta-feira, 22, em evento que reuniu representantes de entidades do movimento social, como a União de Negras e Negros pela Igualdade Racial (Unegro) e o Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN); políticos; e representantes da Administração Central da Ufes, da Defensoria Pública do Espírito Santo, do Ministério Público Federal, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, e da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, dentre outras instituições no Teatro Universitário.
“O lançamento foi fundamental porque nós fizemos um pacto com todas as instituições aqui presentes [no trabalho de combate à violência contra a mulher]. O aplicativo é uma ferramenta, mas nós vamos precisar de todas essas pessoas no trabalho”, afirmou a coordenadora geral do Fordan e professora da Ufes, Rosely Pires.
A coordenadora da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, representando o Ministério da Igualdade Racial, Melina de Lima, destacou durante o lançamento que o aplicativo é “essencial” para as vítimas de violência, especialmente para as mulheres negras, que são as que mais sofrem violência doméstica. “Temos que levar esse aplicativo para o Brasil todo”, afirmou.
A conselheira do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CHDH) Márcia Teixeira disse que a entidade vai acolher todas as denúncias que afetarem o coletivo como, por exemplo, o funcionamento precário dos Núcleos Margarida no Espírito Santo, situação denunciada na sexta-feira, ao CNDH. “Estamos disponibilizando essa parceria com as pessoas que estão gestando esse aplicativo para acompanharmos as denúncias que atingirem as mulheres coletivamente e acionar os órgãos responsáveis”, afirmou.
A defensora pública do Espírito Santo Fernanda Prugner falou que “o aplicativo é mais uma porta de entrada para mulheres em situação de violência, com o objetivo de facilitar o acesso dessa vítima aos serviços da Defensoria, que são principalmente medidas protetivas e ações de família”. As solicitações entram diretamente no sistema da Defensoria Pública, que realizará todos os trâmites necessários. A resposta do órgão retorna diretamente para o aplicativo.
História de vida
Para Alessandra Souza Silva (foto), vítima de violência doméstica por 19 anos, ver o lançamento do aplicativo foi um momento especial. “Eu tive uma vida muito triste, um relacionamento abusivo, era obrigada a fazer sexo, apanhava. Tive cinco filhos nessa situação”, afirmou.
Ela conta que teve muita dificuldade para sair do relacionamento sem apoio de parentes e sem condições financeiras. Quando tentou fazer denúncia das agressões que sofria, foi humilhada na delegacia e ouviu até ameaça de ser presa. “Tive muita dificuldade. Falaram para mim: ‘ou você resolve sua vida com ele ou vai presa junto e os meninos vão para o Conselho Tutelar’, porque nós estávamos discutindo. Não tinha nem uma pessoa para me ajudar, fui viver com ele de novo e continuei sofrendo abuso sexual, apanhando”.
Alessandra só conseguiu fazer a denúncia e sair da situação de abuso com ajuda “das mulheres do Fordan”. Sobre o aplicativo, ela destaca que a ferramenta vai ajudar muito as mulheres. “Muitas não sabem ler e escrever. Com o aplicativo é só falar. Elas podem ir ao banheiro e denunciar. Porque quando você está nessa situação, não dá tempo de escrever”, afirma.
Hoje ela participa do grupo do Fordan e usa o teatro para expressar sua luta contra a violência às mulheres.
Tecnologia
A tecnologia do aplicativo Fordan/Ufes para denúncias das violências contra mulheres foi desenvolvida por pesquisadores e estudantes da Ufes de áreas como direito, informática, saúde, psicologia, educação e cultura, contando com a participação ativa de 57 mulheres acolhidas e suas famílias. O aplicativo foi viabilizado por meio do edital Mulheres da Ciência, da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), e os trabalhos de implementação tiveram início em novembro de 2022.
Saiba como funciona o aplicativo
- Ao entrar no aplicativo a mulher verá a mensagem “Você não está sozinha”, escrita em português e em guarani. O app funciona por áudio e por escrito, para facilitar a utilização pelas mulheres que não são alfabetizadas.
- O primeiro passo é fazer um cadastro, preenchendo os dados pessoais e familiares. Algumas perguntas são feitas sobre religião, identidade de gênero, orientação sexual, deficiência ou não, se é quilombola ou indígena.
- Essas respostas vão originar um mapeamento para identificar, por exemplo, quais mulheres estão tendo medidas protetivas indeferidas, quais boletins de ocorrência não estão sendo aceitos e, principalmente, quem são as maiores vítimas de feminicídio. O banco de dados será gerido pela Ufes.
- Dentre as funções disponíveis no aplicativo estão: o registro do boletim de ocorrência (BO), a petição para ação de alimentos (pensão alimentícia) e o pedido de medida protetiva de urgência. Também é possível acessar a aba “chamar a polícia”. O aplicativo permite a localização da mulher, caso ela queira ser localizada. Isso porque há casos em que a polícia é chamada, mas não é possível encontrar a mulher.
Texto: Sueli de Freitas
Fotos: Sueli de Freitas e Thereza Marinho
Edição: Thereza Marinho