O Brasil teve uma média de 55,82 mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos entre os anos de 2005 e 2017, sendo as principais causas complicações no parto, transtornos hipertensivos, complicações na placenta e aborto. Essa foi uma das conclusões da pesquisa coordenada pela professora Maria Lúcia Garcia, do Programa de Pós-Graduação de Política Social (PPGPS), realizada em parceria com a Universidade de Cuba.
O estudo aponta que esses indicadores, separados em diretos (relativos a mortes em decorrência de problemas que surgem durante a gestação) e indiretos (resultantes de doenças pré-existentes), levam ao falecimento de gestantes e puérperas (até 42 dias após o parto). Segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) no Brasil, em 2018, foi de 59,1 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, índice que representa quase o dobro da meta da Organização das Nações Unidas (ONU) nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que é de reduzir o índice para 30 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos até 2030.
A pesquisa foi desenvolvida em parceria entre o Grupo Primeira Infância, do Projeto de Internacionalização (PrInt) da Ufes – o qual tem o propósito de produzir pesquisas com universidades estrangeiras –, e a Universidade de Cuba. O estudo tem o objetivo de entender os aspectos das causas da mortalidade materna em países em desenvolvimento com sistemas sociais e econômicos diferentes.
Dentre os maiores empecilhos para atenuar os casos de mortes no período gestacional no Brasil, estão as políticas relativas ao aborto e à educação sexual. As pesquisadoras afirmam que os dados sobre a participação do aborto entre as causas de óbito podem estar subestimados devido à sua ilegalidade. Já a educação sexual sofre forte resistência por motivos culturais e religiosos, apesar de contribuir para prevenir a gravidez indesejada ou precoce e doenças sexualmente transmissíveis.
Comparativo
Em Cuba, as políticas relativas ao aborto e à educação sexual estão entre os principais meios de prevenção à mortalidade materna. Naquele país, o aborto é institucionalizado desde 1965 e conta com financiamento público e regras: deve ser realizado em hospital público e com profissional qualificado, como meio de assegurar uma prática segura. Esse quadro é acompanhado pela conscientização sobre a importância do uso de outros meios contraceptivos, como a camisinha, a qual tem cobertura acima de 77%. Ambas as políticas, em conjunto, alcançam alta cobertura há mais de dez anos, segundo o levantamento realizado.
A pesquisa indica a necessidade de mudança na legislação brasileira, para que haja o acesso seguro, gratuito e institucional à interrupção da gravidez a fim de evitar mais falecimentos e assegurar a saúde sexual e reprodutiva da mulher. “Em Cuba, existe uma consciência do governo e da sociedade sobre a necessidade dessas ações para evitar mais mortes. Garantir a emancipação sexual, a decisão sobre o seu próprio corpo, ter seus direitos sexuais e reprodutivos garantidos é importante, é uma questão de justiça reprodutiva, o aborto legal seguro e gratuito deve ser um direito de todos que engravidam. Todos esses pontos precisam ser trabalhados aqui”, opina uma das pesquisadoras, Arelys Esquenazi, que é doutoranda no PPGPS/Ufes.
Outros fatores relacionados com as mortes de gestantes no Brasil são transtornos hipertensivos (92 a cada 100 mil nascidos), complicações no puerpério (77,4 casos na mesma proporção), transtornos placentários (20,3), gravidez ectópica (14,3), problemas no parto (11,3) e hemorragias (4,6). Já em Cuba, os valores para as mesmas causas se revelam bem menores, sendo respectivamente: 12; 30; 7,9; 11,5; 18 e 11,5.
A pesquisa também indica o crescimento dos indicadores indiretos em ambos os países nos 12 anos analisados. O Brasil teve um aumento expressivo, de 25%, em comparação aos 5% de Cuba.
Essa informação evidencia o descaso com os projetos de atenção materno-infantil no Brasil, na avaliação das pesquisadoras, uma vez que o país não atingiu a meta do milênio da ONU para reduzir as taxas e os números só aumentam, apesar dos esforços já realizados. A professora Maria Lúcia Garcia ressalta que o Sistema Único de Saúde (SUS) já implementou diversos programas de assistência à mãe e ao bebê, dentre eles a Agenda de Consultas de Saúde Integral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Criança e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. “O SUS tem a metade do tempo de criação do Ministério de Saúde Pública de Cuba e tem resultados incríveis, mas a falta de assistência política nesse assunto tem um resultado negativo muito transparente nessa situação, com urgência de mudança”, analisa a coordenadora.
Um dos aspectos a serem melhorados é o das consultas pré-natais, que contribuem para descobrir e prevenir possíveis enfermidades, a fim de diminuir os riscos à mãe e ao bebê. No Brasil, a gestante tem direito a nove atendimentos durante a gravidez, no entanto, de acordo com o estudo, 90% das mulheres têm apenas quatro consultas e, dentre o grupo restante, menos de 50% têm acesso a sete ou mais atendimentos. As pesquisadoras avaliam que melhorar o sistema de atenção à gestante da rede pública seria um fator significativo para evitar as mortes.
Diferenças regionais
A diferença socioeconômica também impacta esse resultado, segundo a pesquisa. Ao se analisar as regiões do país, o Nordeste e o Norte têm, respectivamente, 66,82% e 65,43% de aparição das variantes, enquanto o Sul tem 43,41%. Além disso, as mulheres não brancas são as que mais sofrem, sendo 62,13% de mortalidade materna direta em todo o Brasil.
Em Cuba, as diferenças regionais existem, mas não são tão alarmantes quanto no Brasil e têm um quadro de melhora nos últimos anos. Dentre as regiões brasileiras, a diferença entre a localidade com maior e menor índice das razões da mortalidade materna é de 23,41%, enquanto entre os territórios cubanos é de 3,23%.
“Enquanto em Cuba se mostra mais controlado, no Brasil o trabalho é árduo por ser duplo: sensibilizar leva tempo e é algo que não estamos fazendo, além disso estamos distantes de um bom investimento financeiro. A luta por ampliar e consolidar os direitos sexuais e reprodutivos, assim como por desenvolver políticas e serviços de saúde com enfoque de igualdade de gênero continuam sendo uma prioridade inadiável e urgente, porém com evidentes diferenças em termos de conquistas e desafios futuros em ambos os países”, conclui Maria Lúcia Garcia.
Texto: Mikaella Mozer (bolsista de Comunicação)
Imagem: Mateus Pereira - Secom/Governo do Estado da Bahia
Edição: Lidia Neves e Thereza Marinho