Estratégias para a inclusão de estudantes com deficiência física ou com transtorno do espectro autista (TEA) estiveram no foco do terceiro Ciclo de debates: desafios das universidades, realizado na quarta-feira, 24, no auditório Carlos Drummond de Andrade, na Biblioteca Central. Com mediação de Débora Provetti Nacari, diretora do Núcleo de Acessibilidade da Ufes (Naufes), o tema foi debatido pelas professoras Liliane Miilher, do Departamento de Fonoaudiologia, e Mariana Midori, do Departamento de Terapia Ocupacional.
O Ciclo de debates integra a programação especial de aniversário dos 69 anos da Ufes, que ao longo de maio tem oferecido atividades culturais e formativas para toda a comunidade. O encontro teve a presença de pró-reitores, gestores, servidores e estudantes da Universidade.
Segundo dados informados pela diretora do Naufes, a Universidade conta com 88 estudantes autodeclarados com TEA e 154 com deficiência física, contabilizando os quatro campi. “Esses temas têm nos impulsionado a ressignificar nosso projeto de universidade”, afirmou Provetti.
A professora Mariana Midori começou sua fala apresentando definições para alguns conceitos relacionados a pessoas com deficiência, como mobilidade reduzida (dificuldade de movimentação permanente ou temporária) e acessibilidade (possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços e serviços, por pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida). Ela destacou a necessidade de pensar a deficiência sempre diante do contexto em que a pessoa está inserida.
“O fato de a pessoa ter um diagnóstico fechado ou uma doença não significa que só isso vai dizer se ela tem limitações ou não. Os fatores ambientais vão definir se a pessoa consegue viver em sociedade, ser incluída naquele espaço”, afirmou.
Principais barreiras
Entre as barreiras mais comuns ao acesso e à permanência nos espaços por pessoas com deficiência, Midori citou os entraves urbanísticos, como escadas e pisos instáveis; meios de transporte, como a baixa quantidade de ônibus com acessibilidade para cadeirantes; utilização de tecnologias, como e-books e vídeos pouco acessíveis. Mas a principal barreira, segundo a professora, é atitudinal – comportamentos que prejudicam ou impedem a inclusão de pessoas com deficiência.
“Algumas atitudes aparentemente têm um fundo positivo, mas são capacitistas. Quando olhamos com dó ou pena para uma pessoa com deficiência, sempre imaginando que ela sofre, que é triste e sempre vai sofrer – isso é uma forma de capacitismo. Quando falamos de ‘superação’, como se cada passo que ela dá fosse um superpoder, estamos dizendo que as que não conseguem, não têm vontade, não têm resiliência”, afirmou. “As pessoas têm dificuldade de conversar com quem tem deficiência. Podemos perguntar se de fato a pessoa precisa de ajuda”.
Para superar essas barreiras nas instituições de ensino, Midori (foto) sugeriu uma série de medidas que facilitam a acessibilidade do estudante, como ações inclusivas de professores dentro da sala de aula, mas de forma coletiva, para não depender de condutas individuais e isoladas. Entre as providências, ela destacou objetos e equipamentos a serem manuseados em aulas práticas (tamanho, temperatura, uso bimanual), tempo para cópia de material ou fornecimento antecipado pelo professor e avaliações para além da escrita, por exemplo.
A professora também apontou obstáculos estruturais em escolas e universidades, presentes em banheiros, bebedouros, bibliotecas e refeitórios.
“Os banheiros acessíveis estão disponíveis? Ou são aqueles banheiros que ficam trancados e a chave fica em outro lugar, sendo que os outros banheiros não ficam trancados? Os bebedouros são acessíveis ou têm apenas uma altura fixa? Como são os corredores das estantes nas bibliotecas? Têm espaço para passar um cadeirante?”, questionou. “Se outras pessoas têm condição de escolher a forma como transitam, estudantes com deficiência têm que ter as mesmas possibilidades”.
Estudantes com TEA
Seguindo a apresentação de Midori, a professora Liliane Miilher abordou estratégias para inclusão de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) na universidade. Tema em voga na mídia e representado em filmes e novelas, o TEA é também um quadro “extremamente heterogêneo”, explicou Miilher, com níveis e demandas diversas.
“É muito bom que exista uma maior mobilização social, mas também é importante dizer que as pessoas com TEA em novelas e seriados geralmente têm um potencial cognitivo mais avançado”, ponderou. “Há pessoas com TEA que são crianças não verbais, adultos não verbais, com dependência para a vida cotidiana”.
Segundo ela, pessoas com TEA têm dificuldade em duas grandes áreas: interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento e interesse. Esses obstáculos tendem a se aprofundar quando o estudante ingressa na universidade.
“A universidade é um momento de maior demanda educacional. Porque as pessoas com TEA têm muito apoio na infância, um pouco mais de autonomia na adolescência e, quando chega à universidade, é ‘tu e tu mesmo’. Muitas coisas são feitas coletivamente, então as dificuldades de comunicação e interação aparecem, tanto na interlocução com o colega quanto com o professor”, afirmou Miilher.
O estudante com TEA, continua Miilher, pode se deparar com uma série de outras questões integrantes da metodologia de uma disciplina ou de um professor, que são banais para os outros estudantes. Por exemplo, pode ser complexo lidar com mudanças bruscas de assunto no momento da aula. “Muitas pessoas com TEA têm foco em assuntos de interesse delas, e isso é muito bom, mas pode gerar dificuldades. De repente, o professor está discutindo um tema e sai desse tema. Pode ser difícil”, explicou.
Outros obstáculos podem ser a utilização de sinais não verbais e expressões ou frases de duplo sentido. “A pessoa com TEA tende a ler com literalidade”, diz a professora. Para tornar a sala de aula um ambiente mais inclusivo, é possível adotar alguns cuidados, como a utilização de uma linguagem mais clara para diminuir o estresse comunicativo.
“Não é que não devemos usar figuras de linguagem, porque isso seria artificial. Mas que possamos utilizá-las e traduzi-las para o estudante”, sugere Miilher. Outras estratégias seriam a criação de ambientes confortáveis, com menos estímulos sonoros ou visuais, e a antecipação de combinados, de modo a mitigar a resistência a mudanças: “Quando você esclarece uma situação, você cria para esse estudante uma oportunidade para que ele lide com a mudança de rotina”, diz.
Texto e fotos: Leandro Reis
Edição: Thereza Marinho